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Dois meses após homenagem, Chape deixa de pagar acordos com famílias da tragédia

Com o tempo, sete casos tiveram a indenização quitada e foram encerrados. Sobraram 17. Em dezembro de 2021, uma família não recebeu a parcela. Em janeiro deste ano, ninguém foi pago

A Arena Condá recebeu 14 mil pessoas em 29 de novembro do ano passado. Era um evento em homenagem às vítimas do acidente aéreo da Chapecoense, que completava cinco anos. Foram feitas apresentações religiosas e artísticas. Poucas semanas depois, o clube começou a deixar de pagar os acordos judiciais com as famílias dos mortos.

Em 14 de junho de 2020, a Chapecoense assinou documento comprometendo-se a quitar 26 ações contra o clube abertas por familiares das vítimas. A agremiação deu como garantia de pagamento sua verba de sócio-torcedor. O acordo foi firmado na secretaria de execução do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina.

Pelos primeiros 12 meses, seriam destinados R$ 250 mil por mês às famílias. Do 13º ao 24º mês, o valor passaria a ser de R$ 350 mil. Depois disso, voltaria a ser R$ 250 mil. O dinheiro seria repassado pela própria Chapecoense.

Com o tempo, sete casos tiveram a indenização quitada e foram encerrados. Sobraram 17. Em dezembro de 2021, uma família não recebeu a parcela. Em janeiro deste ano, ninguém foi pago.

“A Chapecoense age como se as viúvas tivessem destruído o time com os acordos. Do que eles não se dão conta é que foi o contrário. Foram eles quem nos destruíram. Hoje em dia, a gente tenta viver com o mínimo, com o básico”, queixa-se Patrícia Luana Groza da Silva Gimenez, viúva do lateral Gimenez.

Ele foi uma das 71 pessoas mortas na queda do avião da LaMia nas cercanias de Medellín, na Colômbia, em 28 de novembro de 2016. O voo levava a equipe brasileira para a final da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional. Entre as vítimas fatais, 19 eram jogadores.

Cinco anos após a tragédia, as famílias ainda tentam receber o seguro da aeronave, emitido pela Bisa, com a corretagem da Aon e ressegurado pela Tokio Marine Kiln e outras 12 empresas. Em processo na Flórida, nos Estados Unidos, o valor da causa foi estipulado em US$ 844 milhões (R$ 4,58 bilhões em valores atuais).

Em contato com a reportagem por email, o vice-presidente de marketing da Chapecoense, Alex Passos, disse que não foram feitos mais pagamentos porque o clube vive situação financeira muito difícil. Na temporada passada, a equipe foi rebaixada para a Série B do Campeonato Brasileiro.

“Não temos recursos. Estamos desesperadamente tentando deixar condições para que o time de futebol que representa a Associação Chapecoense de Futebol possa jogar, pois nosso produto é o futebol. Se não houver futebol, não teremos mais nada e nenhum tipo de receita”, disse ele.

Uma nova diretoria assumiu o comando em 14 de dezembro de 2021. Segundo Passos, o caixa previsto para os três primeiros meses de 2022 “tem uma diferença negativa” de cerca de R$ 8 milhões.

“Não temos capacidade de contrair mais dívidas. Recebemos um clube completamente endividado”, completa.

Em outubro do ano passado, a dívida da Chapecoense era estimada pelo então presidente, Gibson Sbeghen, em R$ 120 milhões.

O atual mandatário, Nei Maidana, entrou em contato com viúvas e lamentou a situação. Especulou que a Chape poderá fechar se não aparecerem novos investidores. O projeto de transformação em Sociedade Anônima foi aprovado pelo conselho deliberativo.

Todas as explicações não caem bem com viúvas que dependem do acordo na Justiça para se manter financeiramente.

“A Chape que ganhou o carinho e a admiração de todos hoje é bem diferente. A cada diretoria [que assume], há uma maneira diferente de tratar as famílias envolvidas na tragédia. Há quase dois meses, estavam fazendo homenagens no estádio para os meninos que se foram. Hoje, mais uma vez, a gente luta para que eles cumpram um acordo cumprido judicialmente. E, em muitos casos, as famílias abriram mão de alguns direitos para chegar a esses acordos”, disse Leticia dos Anjos Gabriel, viúva do goleiro Danilo.

“Eu não consegui assistir [à homenagem feita em novembro] porque eu sabia que não era algo diretamente para os meninos [as vítimas]. Foi feita para trazer os torcedores de volta porque eles caíram para a Série B”, completa Patrícia.

Para o vice de marketing, o problema estava em gestação há algum tempo, mas diretorias anteriores o empurraram com a barriga.

“A verba dos sócios efetivamente está vinculada como ‘garantia’ do pagamento de alguns acordos. No momento, o escasso recurso que temos é esse. Se não usamos esse recurso para colocar o time em campo e pagar parcialmente os colaboradores, sem os quais a engrenagem não roda, o time para. Se o time parar, no mês seguinte por que o sócio vai pagar [as mensalidades]? Assim, não teremos nem esse recurso. Veja que é uma sintonia fina e tênue”, diz.

Pelo acordo assinado pela própria Chapecoense na Justiça, está prevista multa de 30% sobre cada parcela não quitada. Passos informa ter sido criada comissão para estudar e reestruturar a dívida, o que não soa como perspectiva de que as verbas às famílias voltem a ser pagas imediatamente. Ele afirma que a vontade é pagar as famílias antes dos demais credores. Mas, no momento, não há prazo.

“Meu marido falava não existir nenhum time como a Chape e que ele tinha muito medo de sair da Chapecoense e não encontrar um time tão família, tão unido. No final, aconteceu todo isso. Quando eu fecho os olhos, a imagem que eu tenho do presidente [Nei Maidana] é de ele a abraçar meu marido, pegar minha filha no colo e dizer estar muito feliz e orgulhoso. Só que, na primeira oportunidade, o que ele faz com a gente? Deixa de honrar os contratos com as viúvas”, lamenta Patrícia.  (FONTE: FOLHAPRESS) 

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